Descobertas recentes indicam que a prática do yoga altera positivamente não apenas os estados mentais, mas o funcionamento de todo o corpo. Já se sabia que esse ensinamento milenar proporciona relaxamento e reduz a ansiedade, mas o que estudos científicos realizados nas últimas décadas vêm revelando é que as diferentes técnicas do yoga também são capazes de alterar o funcionamento de outros sistemas do organismo, desde o muscular e o cardiovascular até o hormonal e o imunológico, trazendo benefícios à saúde humana.
O Hatha Yoga Pradipika, sagrada escritura do Hatha Yoga, escrita no século 15 da era atual, diz que, antes de nos aventurarmos na prática de austeridades e códigos morais, devemos nos preparar. Autocontrole e disciplina sem preparação adequada podem criar mais problemas mentais e de personalidade do que paz de espírito. A beleza dessa escritura é que ela resolve o grande problema que todo iniciante enfrenta: dominar a mente. “Por que começar com a mente? Você não tem nenhum poder para lutar com a mente. Primeiro, é preciso disciplinar o corpo”, diz o texto.
Devido a essa abordagem corporal, o Hatha Yoga ficou conhecido – de modo equivocado – como uma categoria de yoga que trabalha apenas as valências físicas (força, flexibilidade, resistência, equilíbrio e outras), quase como um tipo de ginástica oriental. Isso não é verdade. O Hatha Yoga Pradipika afirma em diversas ocasiões que todas as práticas físicas têm apenas uma finalidade: a purificação do corpo, visando, em etapa posterior, controlar as flutuações da mente, por meio da meditação. A meditação, então, é o pináculo do Hatha Yoga, e não o contrário.
Não é repetindo para si mesmo que não deve pensar em nada naquele momento que o indivíduo conseguirá meditar. É preciso utilizar a técnica correta. É preciso começar por onde é mais fácil: pelo corpo.
Há milênios os mestres do yoga já sabiam da relação entre as técnicas desse sistema e os estados mentais. Eles diziam: “Não se preocupe com a mente. Ignore-a. Pratique pranayama e a mente será automaticamente controlada” – pranayama são exercícios respiratórios. A sabedoria dessa antiga afirmação torna-se evidente quando pensamos na relação entre respiração e emoção. Se estamos ansiosos ou estressados, por exemplo, nossa respiração é superficial e curta. Da mesma forma, se um paciente que sofre de transtorno de pânico apresenta uma crise, ele com frequência hiperventila, ou seja, o ritmo da respiração acelera em excesso.
Essa ligação entre respiração e emoção é uma via de mão dupla, e o yoga usa esse conhecimento para seguir o percurso contrário ao observado na ansiedade e no estresse e mudar o padrão respiratório, visando alterar os estados mentais. Até a moderna psicoterapia denominada terapia cognitivo-comportamental utiliza técnicas oriundas do yoga, como a respiração diafragmática, para tratar ataques de pânico e ansiedade.
É bastante conhecido o fato do yoga induzir o relaxamento e influenciar estados mentais, mas o que a ciência vem descobrindo é que as variadas técnicas dessa antiga prática também podem alterar, para melhor, o funcionamento de outras regiões do corpo, como os músculos, o sistema cardiovascular, o sistema hormonal e mesmo as defesas do organismo (sistema imunológico).
Posturas corporais
Asanas – uma dessas técnicas – são posturas corporais que buscam propiciar a estabilidade necessária para que o indivíduo consiga se manter sentado em postura meditativa. Essa é a única finalidade dos asanas, ao contrário do que se vê no yoga comercial moderno. Dos quase 200 aforismos presentes nos Yoga Sutras de Patanjali (outra antiga escritura), somente dois mencionam asanas. No Hatha Yoga Pradipika, fica ainda mais óbvia sua função: manutenção de uma postura estável para a prática mais relevante, a meditação.
Curiosidades à parte, hoje se sabe que não apenas pranayama e meditação são capazes de alterar significativamente o funcionamento do sistema nervoso central. A simples prática dos asanas também pode alterar a atividade respiratória e, em consequência, os estados emocionais e a circulação geral, influenciando todo o sistema nervoso autônomo.
A prática de asanas, que deve ser firme e agradável, promove treinamento intenso do sistema neuromuscular. A natureza dessas posturas corporais pressupõe estabilidade e permanência, e o desenvolvimento da força e da flexibilidade necessárias para isso ocorrer, respectivamente, por isometria (contração muscular por tensão) e por relaxamento da musculatura alongada. Diversos asanas, como as séries dinâmicas (por exemplo, Surya Namaskar), as retroflexões da coluna (Bhujangasana) e posturas de contração muscular (Chaturanga) elevam significativamente a frequência cardíaca.
Expiração prolongada
A técnica pranayama também induz profundas alterações no sistema nervoso autônomo, que controla as funções automáticas do corpo. Com esses exercícios respiratórios, os yogues facilmente reduzem de modo consciente e proposital a taxa respiratória, a frequência cardíaca e todo o metabolismo corporal. Em geral, pranayamas enfatizam um aumento gradativo da expiração.
Ao final de cada inspiração, mecanismos fisiológicos (aumento do retorno do sangue ao coração, pelas veias, e do volume do tórax) fazem com que receptores de estiramento pulmonar elevem significativamente a frequência cardíaca, que só começa a ser reduzida quando expiramos. O que se acredita, embora o processo não esteja totalmente elucidado, é que esses receptores respondem cada vez menos à elevação do teor de gás carbônico durante a expiração.
Em um indivíduo que não pratica yoga, porém, a frequência cardíaca se mantém elevada durante a expiração. No entanto, à medida que pratica pranayama, expirando de maneira mais lenta e prolongada, o indivíduo consegue diminuir muito essa frequência, que pode atingir, com o treinamento, valores muito baixos ou inferiores ao normal para essa fase da respiração. Esse princípio (junto à kumbhaka, ou seja, a retenção do ar nos pulmões) conduz a um treinamento tão forte do sistema nervoso autônomo que, mesmo quando o adepto de yoga não está praticando pranayama, ocorrem essas variações saudáveis na frequência cardíaca, pois o padrão respiratório foi profundamente alterado.
Isso talvez explique por que os praticantes de yoga são menos propensos a desenvolver transtornos de ansiedade e de humor e respondem melhor a alterações emocionais negativas. É interessante lembrar ainda que, quanto maior a variabilidade da frequência cardíaca (que ocorre mesmo quando a pessoa está em repouso), menores as chances de desenvolvimento de doenças cardíacas.
No que diz respeito à saúde mental, diversos pesquisadores – entre eles Sat B. Khalsa, da Escola Médica da Universidade de Harvard, em 2004 – evidenciaram que essa técnica é efetiva na atenuação de estados ansiosos e depressivos e na redução dos níveis de cortisol (o hormônio do estresse) no sangue. Alguns estudos comparativos observaram ainda que pranayama foi mais eficaz que medicamentos ansiolíticos e antidepressivos no tratamento de transtornos de ansiedade e humor.
No entanto, exatamente como na execução dos asanas, é preciso saber quais exercícios respiratórios são indicados para cada ocasião. Cardiopatas, hipertensos, ansiosos e indivíduos que sofrem de glaucoma, por exemplo, não podem executar todos os pranayamas, em especial aqueles que aumentam a pressão arterial e outras funções do sistema nervoso autônomo. Por isso, é extremamente importante que o yoga seja ensinado por pessoas qualificadas. O estudante de yoga deve ter em mente não só o principal objetivo desse sistema filosófico, mas também a ciência terapêutica por trás dele.
Nem vigília, nem sono
Outra técnica muito utilizada, conhecida vulgarmente como ‘relaxamento’, é o yoganidra. Esse termo é traduzido do sânscrito como ‘yoga do sono’. No entanto, embora durante essa técnica de relaxamento o indivíduo pareça estar dormindo, o que de fato acontece está bem longe disso: o corpo relaxa profundamente, mas a mente permanece não apenas alerta e consciente, mas também ‘hiper-receptiva’.
O cérebro apresenta, normalmente, quatro diferentes ondas elétricas, vinculadas aos estados de consciência. A onda beta (de 14 a 30 hertz, pequena amplitude e alta frequência, já que muitos neurônios estão ativos ao mesmo tempo) corresponde ao estado de vigília. A onda alfa (de 8 a 13 hertz, menor frequência e maior amplitude que a beta) ocorre no estado de vigília sem atividade no córtex visual (olhos fechados) e no estado de relaxamento profundo. A onda teta (de 4 a 7 hertz, grande amplitude e baixa frequência) é registrada no estado limítrofe com o sono. A onda delta (de 1 a 3,5 hertz) corresponde ao sono profundo – esta é a onda de maior amplitude e menor frequência registrada no eletroencefalograma.
Em 1997, estudos com yoganidra evidenciaram aumento significativo de ondas alfa e teta durante a prática, o que levou Hans C. Lou e equipe, do Hospital Real de Copenhague (Dinamarca), a supor que os indivíduos estivessem relaxados, mas talvez inconscientes ou, ao menos, alternando estados. Na verdade, constatou-se que permaneciam conscientes e acordados por todo o tempo em que usavam a técnica. Verificou-se, além disso, que durante esse estado mental qualquer aprendizado, como o de uma nova língua, é mais rápido do que quando o indivíduo está em vigília. Por isso, os cientistas chamaram essa situação de ‘outro estado mental’: nem vigília, nem sono. A ciência ainda busca um nome específico para essa condição, mas os antigos yogues já chamavam esse estado mental de pratyahara ou ‘abstração dos sentidos’.
Efeitos da meditação
Dharana e dhyana são dois aspectos da técnica que chamamos de meditação. Dharana é concentração. Quando executada por longo tempo, leva a dhyana, tido como um fluxo contínuo de concentração, ou meditação propriamente dita. Há diversos tipos de meditação e inúmeras técnicas podem ser utilizadas, mas todas têm em comum o exercício de percepção profunda da própria mente, do aspecto sutil de seu funcionamento e de suas muitas camadas.
Durante a meditação, o esforço do cérebro para se concentrar em apenas um ponto torna-o extremamente ativo, ao contrário da crença comum de que a meditação nada mais é do que um estado de repouso. O aumento de atividade de ondas alfa e redução de ondas teta, na meditação, mostram que o cérebro está mais relaxado e orientado internamente, mas ao mesmo tempo mais atento e vigilante.
Outros estudos registraram ainda, apenas em indivíduos que meditavam diariamente, o surgimento de ondas cerebrais bem mais amplas, normalmente não detectadas no eletroencefalograma. Elas são conhecidas como ondas gama (de 27 Hz em diante). Essas ondas de altíssima frequência representam uma atividade neuronal maior do que o normal e indicam melhora nas redes de atenção e concentração. Entre esses estudos estão os de Tetsuya Takahashi e equipe, realizados em 2005 na Universidade de Fukui (Japão).
Curiosamente, as ondas gama continuavam presentes após a meditação, como se esses indivíduos permanecessem focados e concentrados, mesmo quando não estavam meditando. Essa melhora ‘crônica’ da atenção e da capacidade de concentração está intimamente ligada ao aumento da atividade dos lobos frontais anteriores e do córtex cingulado anterior (área do cérebro envolvida em processos de atenção e em processos afetivos e alterações autonômicas). Como essas estruturas, juntamente com o sistema límbico, também são responsáveis por modular respostas emocionais, esses indivíduos talvez sejam capazes de reagir melhor aos eventos estressantes do dia a dia, já que cognição e emoção estão mais bem integradas.
A meditação também altera de forma significativa o funcionamento do sistema hormonal e a síntese, no cérebro, de neurotransmissores e neuromoduladores. Estudos mostram que a cascata neuro-hormonal benéfica, na meditação, decorre de diversos mecanismos, como 1) queda na produção do neurotransmissor norepinefrina (reduzindo a atividade do hipotálamo e, em consequência, a síntese de hormônios do estresse), 2) redução nos níveis do hormônio adenocorticotrófico (ACTH, precursor do cortisol), do hormônio estimulador da tireóide (TSH) e do próprio cortisol, e 3) aumento na síntese de neurotransmissores como ácido gama-aminobutírico (GABA – depressor do sistema nervoso central que inibe a ansiedade), dopamina (envolvida no sistema de recompensa e na sensação de satisfação), serotonina (afeto positivo), endorfinas (redução de medo e dor e aumento da sensação de bem-estar e alegria) e acetilcolina (ligada aos sistemas de atenção nos lobos frontais).
Recentemente, com o estabelecimento de uma área da neurociência chamada psiconeuroimunologia, pesquisadores notaram também que a meditação fortalece o sistema imunológico, tanto de indivíduos saudáveis quanto de doentes. O mais recente desses estudos foi feito por Thaddeus W. Pace, em 2009, na Escola de Medicina da Universidade Emory, em Atlanta (Estados Unidos). Pensamentos ruins são gerados no córtex pré-frontal e se projetam para o sistema límbico, envolvido no processamento das emoções. O hipotálamo, uma área cerebral, é então ativado e se comunica com a glândula hipófise, por meio do eixo hipotalâmico-pituitário-adrenal (HPA), induzindo a síntese de cortisol, gerando estresse. Essa condição, quando é recorrente, enfraquece o sistema imune. No entanto, se os pensamentos ruins forem substituídos por bons pensamentos, com a prática de meditações específicas, ocorre o inverso: o reforço do nosso sistema de defesa. Foi isso que os pesquisadores observaram.
Estudo feito por J. David Creswell e equipe, da Universidade Carnegie Mellon, em Pittsburgh (Estados Unidos), com portadores do vírus HIV, causador da Aids, que obviamente encontram-se estressados, observou que a meditação impediu o declínio de células CD4+, freando a progressão da doença. Os linfócitos CD4+ são os ‘maestros’ do sistema imunológico, coordenando a atividade deste quando o corpo está sob ataque. Também são as células que atacam o HIV. No entanto, do decorrer da doença, o vírus ‘devora’ essas células, enfraquecendo todo o sistema imunológico.
O estudo concluiu que, dados os benefícios da redução do estresse por meio da meditação, tais efeitos protetores podem ser observados não apenas em portadores do HIV, mas em todos aqueles que sofrem de estresse diariamente. Outra pesquisa – de Richard J. Davidson, da Universidade de Wisconsin (Estados Unidos) – constatou que, ao serem vacinados contra a gripe comum, indivíduos saudáveis que praticam meditação apresentaram significativo aumento em sua contagem de anticorpos, se comparados a não praticantes.
Com todas as modificações neuroquímicas e funcionais provocadas no cérebro pela meditação, não seria surpresa se ocorressem também alterações morfológicas em estruturas cerebrais específicas. De fato, pesquisas recentes comprovaram que técnicas de meditação estão diretamente associadas ao aumento da espessura da massa cinzenta, região do córtex relacionada à atenção e ao controle do sistema nervoso autônomo. Tais áreas, situadas no córtex frontal, são responsáveis pela percepção de estados internos e processamento de emoções (ínsula anterior) e pela integração cognição-emoção (áreas de Brodmann 9 e 10). Como as regiões pré-frontais do córtex são as que apresentam maior redução em decorrência da idade, por serem mais vulneráveis aos efeitos do envelhecimento, a prática de meditação pode representar um valioso mecanismo de neuroproteção.
Saúde física e mental
As evidências científicas sobre os efeitos positivos das diversas técnicas do yoga parecem confirmar o que os antigos sábios da Índia já sabiam há mais de 5 mil anos. Yoga é mais do que um sistema filosófico. É um conhecimento associado à saúde física e mental e à vida longa. O homem sofre hoje variados males, trazidos pelo ritmo e pelos desafios da vida moderna, e a medicina convencional não consegue lidar com isso de maneira absoluta. Nos últimos 40 anos, o yoga vem sendo aceito como método terapêutico em todo o mundo. Não podemos esquecer, porém, que os antigos, quando o yoga foi desenvolvido, não tinham em mente efeitos terapêuticos. Por mais que esse ensinamento tenha provado ser efetivo no tratamento de diversas patologias, esses efeitos podem ser vistos quase como subprodutos acidentais.
Hatha Yoga é um método de preparação para um despertar espiritual e um conjunto de conhecimento útil e importante na área da saúde. Sendo assim, o aspecto terapêutico deve ser encorajado, mas não devemos jamais esquecer o verdadeiro objetivo do yoga. Sua prática visa a melhorar não somente a saúde, física e mental. O indivíduo deve mudar toda a sua natureza, a sua personalidade, no aspecto psicológico. Não devemos nos livrar apenas das doenças, mas dos maus pensamentos, dos apegos e das divagações mentais.
Artigo publicado na Revista Ciência Hoje (Julho 2012).
Sugestões para leitura
FERREIRA-VORKAPIC, C. E RANGÈ, B. ‘Alert mind, quite mind: is yoga a consistent therapeutic intervention for anxiety disorders?’, em Revista Argentina de Clinica Psicologica, v. 3, p. 64, 2010.
KHALSA, S. B. ‘Yoga as a therapeutic intervention: a bibliometric analysis of published research studies, em Indian Journal of Physiology and Pharmacology, v. 48(3), p. 269, 2004.
MUKTIBODHANANDA, Hatha Yoga Pradipika, Bihar School of Yoga
Veja mais na internet
FIELDS, T. ‘Yoga clinical research review’, em Complementary Therapies in Clinical Practice, v. 17, p. 1, 2011(http://files.sld.cu/mednat/files/2011/07/yoga-clinical-research-review.pdf)
Por Camila Ferreira Vorkapic
Bióloga formada pela Universidade Cruzeiro do Sul e Educadora Física pela UFRJ, Mestrado e Doutorado em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da UFRJ e Pós-Doutorado em Neurofisiologia pela UFS. É pesquisadora do Laboratório de Biociências da Motricidade Humana (LABIMH|Unit) e Coodenadora da Rede de Estudos Interdisciplinares em Neurociências (Sergipe). Desde 2008, quando recebeu iniciação formal (diksa), estuda de forma tradicional com seu Professor, Dharma Bodhi (discípulo direto de Swami Satyananda Sarasvati), aprendendo ensinamentos preciosos de acordo com a tradição oral indiana. É co-fundadora do Olhar Pra Dentro (um projeto sobre autoconhecimento, mindfulness e práticas contemplativas), professora de yoga e mãe de Maya e Katherina.